Desmistificando Tech: Programar não é pra gênios, mas tá longe de ser fácil

Dois mitos opostos precisam acabar em tech: que programação é exclusivo pra gênios, e o de que programar é fácil e qualquer um pode aprender sem esforço

É curioso como o censo comum sobre trabalhar com programação passou do mito de que é algo exclusivo pra gênios não sociáveis trancados num quarto escuro com seus códigos indecifráveis até chegar no mito de que programar é fácil e qualquer um pode ganhar muito dinheiro fazendo um simples curso de alguns dias.

O mito do “programador genial”

Por anos, essa ideia afastou muita gente da área, criando uma aura de exclusividade e inacessibilidade.

Mas na prática só serviu pra alimentar egos, gerar pressão desnecessária e incentivar códigos complexos cheios de overengineering. Os melhores devs que conheço não são “geniais”, simplesmente dominam as tecnologias que utilizam e possuem ótima capacidade de abstração pra chegar em soluções simples e eficientes.

Programação por muito tempo foi uma área nichada e estereotipada.

Lembro que quando comecei a trabalhar com programação, lá por meados de 2007, eu mesmo me sentia inferiorizado por achar que não era “inteligente o suficiente” pra programar além de não me encaixar muito bem em alguns estereótipos que a área tinha.

Esse mito sempre foi prejudicial, já que cria barreiras para a entrada de pessoas que poderiam contribuir muito com a área, mas que se sentem intimidadas por achar que não são “inteligentes o suficiente” pra programar.

Isso foi deixando o mercado cada vez mais fechado e desequilibrado, com pouca oferta de profissionais especialmente de iniciantes. Além disso também ajudou a criar ambientes pouco diversificados e inclusivos, e os efeitos disso a gente sente até hoje.

Literalmente 10 anos atrás escrevi um artigo chamado Estamos realmente interessados em formar bons profissionais? que já falava um pouco dos sentimentos e dos problemas que esse mito causava.

De lá pra cá programação se popularizou muito mas daí criou-se outro mito, que acaba sendo tão prejudicial quanto o primeiro.

O mito de que “programar é fácil”

Essa ideia vende o sonho de que qualquer um pode aprender a programar sem muito esforço e enriquecer rapidamente. Apesar de ser útil para atrair pessoas e movimentar a indústria de cursos, cria expectativas distorcidas e frustrações quando a realidade bate, e pode crer que quase sempre ela bate e bate com tudo.

Especialmente durante a pandemia surgiu uma demanda exponencial por profissionais de tecnologia, o que automaticamente gerou uma corrida por cursos e bootcamps de programação.

Ou seja, dois tipos de demandas ficaram extremamente aquecidas: A de profissionais tech e a de cursos pra formar profissionais tech.

Absolutamente não vejo nenhum problema nisso, pelo contrário, acho ótimo que mais pessoas estejam buscando se qualificar e entrar na área, além disso acho fantástico que existam milhares de cursos acessíveis e de qualidade pra quem quer aprender a programar.

Com mais gente entrando em tech, temos a oportunidade de ver novas ideias, diferentes formas de resolver problemas e uma maior diversidade de pessoas e pensamentos. Isso é excelente para a evolução da área como um todo.

Mas essa narrativa cria dois problemas principais:

Criação de expectativas irreais

Ela pode atrair profissionais ansiosos por resultados rápidos e fáceis, mas que nem sempre estão preparados para encarar as pressões e os desafios de uma carreira em tech. Isso, a longo prazo, contribui para um problema sério: o gap de profissionais sêniores no mercado.

Desmotivação no início da jornada

Quando programar é vendido como algo simples, quem está começando pode se frustrar rapidamente. Afinal, se “é tão fácil”, por que a pessoa está tendo dificuldades? Esse sentimento pode levar muitos a desistirem, achando que o problema está neles, e não no fato de que aprender a programar é, naturalmente, um processo desafiador.

Percebam como esse segundo ponto é quase um reflexo do mito oposto (o da genialidade)? Ambos criam barreiras e distorcem o que realmente significa aprender e crescer na área de tecnologia.

A real é que pouca gente se interessaria em fazer um curso de programação que falasse de forma visceral sobre as dificuldades e desafios que a pessoa vai enfrentar, imagina um curso com uma chamada tipo assim:

“Quer passar décadas da sua vida estudando e se adaptando a um mercado que paga bem mas é altamente competitivo e está em constante mudança, sem nenhuma garantia de sucesso? Então venha aprender a programar com a gente!”

Além disso já passamos por um momento do “boom” na demanda de profissionais de tecnologia, especialmente em níveis iniciantes, e agora estamos vendo uma saturação do mercado, com muita gente buscando oportunidades e poucas empresas dispostas a contratar profissionais sem experiência.

Junta isso com o inerente aumento no uso de IA e automação e temos um cenário onde a demanda por profissionais de tecnologia vai mudar ainda mais nos próximos anos, podendo criar sentimentos de desilusão em quem entrou na área pensando que ia ser fácil e estável.

Conclusão

Programar exige cada vez mais capacidade de abstração, comunicação, raciocínio lógico e resolução de problemas complexos. Isso exige muita prática, aprendizado contínuo e adaptação a um mercado competitivo e em constante mudança, como falei nesse artigo com algumas “previsões” para o futuro do Desenvolvimento Front-end.

A real é que programar é uma habilidade como qualquer outra, que pode ser aprendida e aprimorada com prática e estudo. Não é fácil, longe disso mas é sim uma carreira incrível pra quem gosta de resolver problemas e criar coisas novas.

E o melhor de tudo?

Você não precisa ser nenhum “gênio” para isso